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Carta das portas

24 Ago

 Carta de apresentação para o estágio na agência publicitária BBDO Portugal (www.bbdo.pt):

 

 

“O meu nome é João Alvarez, tenho 24 anos e candidato-me a este estágio porque odeio portas.

 

Quando digo “odeio portas”, falo de todo o tipo de portas: as portas físicas, espirituais, as portas tecnológicas e todos os derivados e associações que se consigam fazer á palavra “porta”.

O ódio por portas começou bem cedo. Posso dizer-vos que o primeiro contacto aconteceu nos primórdios da minha existência, quando um determinado sujeito troçou da minha pequena estatura colocando-me a alcunha de porta-chaves. Pensei que seria uma situação passageira, mas enganei-me. Nunca cresci tanto como as outras crianças e a alcunha acabou por prevalecer. A minha ligação com a “Família Portas” tinha começado. Durante o processo de formação religiosa, e no meio de 30 miúdos passíveis de selecção, acabei por ser escolhido para o cargo de porta-voz das leituras bíblicas. Tentei afastar-me deste flagelo e o jogo “A Batalha Naval” pareceu-me ser uma boa opção para levar a vida de outra forma. Rapidamente percebi que esta tinha sido mais uma opção errada. De todas as embarcações do jogo espalhadas no meu tabuleiro, a primeira a ser destruída era justamente o porta-aviões.

Farto destas bizarras coincidências, decidi apostar no desporto. Pratiquei andebol e fui nomeado capitão de equipa. Parecia que as nuvens negras se afastavam e que a sorte estava a mudar. Mas mais uma vez estava errado. Como capitão de equipa era o responsável pela representação do clube e como tal, cabia-me a mim a tarefa de ser o porta-estandarte nos variados torneios em que participávamos.

Com o passar dos anos outras situações caricatas ocorreram e a “Família Portas” marcava presença com uma tremenda assiduidade. A primeira vez que fui assaltado foi à porta do Coliseu de Lisboa… na Rua das Portas de Santo Antãonuma partida do Euro 2004, perdi o porta-moedasdurante os eufóricos festejos; comprei um portátil para uso pessoal mas por tremenda infelicidade ou coincidência, todas as portas USBnão funcionavam. Os ataques continuavam e eu era já um mártir que nem o histórico Martim Moniz entalado numa porta do Castelo de Lisboa. No meu caso, a porta era a do Metroque constantemente me desferia golpes nos rins com uma violência incrível.

Exausto com a perseguição, tomei uma atitude radical e emigrei para Espanha, mais propriamente para Madrid. Acabado de chegar ao centro de Madrid, sou arrastado por uma multidão de indignados invocando melhores condições de vida. Mal sabia eu que estava numa das praças mais conhecidas da capital, precisamente as Puertas del Sol. Voltei para Lisboa algum tempo depois e ao chegar a casa sou confrontado com uma mudança absolutamente grotesca: o vizinho da frente trocara os portões de sua casa. No lugar de uns amigáveis portões de madeira estavam agora uma imitação dos Portões de Mordorda saga o Senhor dos Anéis. Entro em casa, sento-me no sofá e ainda abalado com esta arte bizarra, batem à porta. Duas testemunhas de Jeová invocando a palavra do Senhor tentam de alguma forma converter-me. Recusei a conversa e pedi licença para me recolher. Surpreendentemente uma das senhoras confronta-me com uma afirmação divina: “Jovem, a porta que Deus abre ninguém a fechará!”. Tentando recompor-me de mais um ataque, entro em casa e ouço a tracklist que aleatoriamente tocava no meu portátil. Não podia ficar mais furioso, pois a música que tocava era Knockin on Heaven’s Doordos Guns n’ Roses.

A perseguição da “Família Portas” continua e encontra outros meios para me atingir, desta vez através de uma táctica nunca utilizada. Junto à Rua da Atalaia, em Lisboa, o meu carro é abalroado por um outro veículo que fazia parte da campanha eleitoral, levada a cabo naquele local, pelo candidato Paulo PortasProcuro alguém para pedir auxílio para trocar um pneu amolgado e o único estabelecimento aberto era justamente o bar Portas Largas!

Esgotado, recorri à ajuda de amigos que me aconselharam uma terapia numa empresa sensível a estes casos. A empresa chama-se BBDO e o seu slogan de boas vindas não podia ser mais acolhedor e esperançoso: “A BBDO abre-te as portas.”

Estou certo de que com as portas abertas ficarei livre deste feitiço e poderei levar a minha vida de uma forma saudável.

Por favor, ajudem-me a livrar deste flagelo!

Atentamente,

João Alvarez”